O Lobisomem do Ártico

              

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1.

 

 

                              Kanuuk estava ao lado da esposa e do filho, se preparando para acender uma fogueira quando percebeu a aproximação de outros esquimós Inuítes, então parou à frente da entrada do iglu e forçou a vista para tentar reconhecer os homens do grupo, pois nevava e ventava muito. Percebeu que eram cinco e seus cães, amarrados a uma estaca de madeira próxima a sua residência latiam muito com a presença dos visitantes. Demorou alguns segundos até que reconheceu Nanaavut, seu grande amigo da aldeia próxima. Mas Nannavut sabia que Kanuuk era discreto e por isso estranhou o fato de ele aparecer por lá com outros homens da aldeia. Pressentiu que algo de errado devia ter ocorrido e teve a certeza ao ficar face a face com o amigo. Pelo semblante de Nanaavut ele pôde perceber que trazia sérias notícias.

- Amigo Kanuuk. Vim lhe avisar que tome cuidado, pois algo horrível aconteceu com uma família que morava próximo a aldeia.

- E o que foi que aconteceu a eles?

- Foram esfolados, todos os cinco. Os pais e três crianças. Não houve sobreviventes. As crianças foram mortas e devoradas. Sei que você é o melhor caçador de ursos de nossa região, mas é bom ter cuidado, por que este animal impiedoso parece ser o próprio Krikoin. Ele não deixou sobreviventes nem mesmo entre os cães. Kanuuk, estou lhe avisando porque gosto de você e de sua família. Este já é o segundo ataque do animal. Na semana passada ele atacou dois caçadores experientes e seus corpos foram encontrados esquartejados e sem as vísceras. Seus cachorros não foram mais vistos. Até seu trenó estava despedaçado. Nunca vi um urso polar fazer algo assim. Não estamos lidando com um animal comum. Parece mesmo que este urso é a encarnação de Krikoin, o demônio das noites geladas.

- Amigo Nanaavut, só tenho a lhe agradecer. Vou permanecer alerta, mas desde já eu lhe digo... Urso algum come Kanuuk, e sim o contrário. Eu e minha família adoramos seu fígado e o comemos cru, como é a tradição de nosso povo.

- Tenho certeza que você não teme animal deste mundo nem do outro, pois é um grande caçador. Espero que fiquem todos bem. Volto agora para minha aldeia porque já está para anoitecer e é durante a noite que a grande fera costuma atacar.

- A fera pode até atacar, mas certamente seria o fim de seu curto reinado de terror, pois aqui vejo cinco homens muito bem armados com arpões e facões e até mesmo uma espingarda. Certamente vocês dariam cabo dele.

- Espero que você esteja certo, mas ainda assim prefiro não esbarrar com aquela coisa por aí. Nem temos certeza se é mesmo um urso. Ursos não tem o hábito de atacar da maneira como foi, e tenho certeza de que um lobo não teria obtido o sucesso que teve este animal.

                              Nannavut tocou o grosso casaco do amigo e partiu em direção aos trenós. Kanuuk passou a mão sobre o queixo, retirando uma camada de neve que o incomodava e entro no iglu, seguido pela esposa e o filho. Lá dentro, acendeu uma fogueira e tratou de se aquecer bem próximo do fogo. Seu filho se sentou no colo da mãe e esta tratou de abraçar o marido, para que melhor se aquecesse. Kanuuk, que possuía um incorrigível espírito guerreiro, não conseguia parar de pensar na família morta pelo urso. Sentiu uma imensa vontade de se levantar dali e ir ao encontro da fera, estivesse ela onde fosse, e dar o revide, mas se conscientizou de que o tempo não estava nada favorável a ele sair dali naquele momento, e a noite estava para cair, declinando ainda mais a temperatura. Além disso, deveria estar com a família caso a criatura chegasse a seu iglu. Caso contrário, quem iria protegê-los? Além do mais, Kanuuk havia caçado durante todo aquele dia e estava tremendamente cansado. Afastou seu ímpeto de sair para seguir o rastro do animal e se deitou, pegando no sono quase que imediatamente. Acordou assustado uns quarenta minutos depois, após ter tido um pesadelo em que via os filhos pequenos dos esquimós mortos sendo dilaceramos por garras enormes enquanto gritavam por socorro, sem que ninguém pudesse interceder. Já era quase noite, mas mesmo assim ele abriu silenciosamente a passagem que dava acesso ao exterior do iglu e saiu ao encontro de seus cães. Aprontou o trenó e partiu, seguindo o rastro dos trenós que ali estiveram mais cedo. Sua intenção era interceptar os aldeãos e perguntar-lhes a localização do iglu que fora atacado na noite anterior para que lá ele chegasse e, caçador experiente que era, procurar pistas que o levassem até o animal. Ele sabia que suas chances eram pequenas de encontrar rastros visíveis, uma vez que o clima não favorecia a isso, mas o principal motivo de querer chegar logo até o local é que, se o ataque tivesse mesmo sido causado por um urso polar, ele saberia de imediato. Kanuuk já estava na trilha havia quase duas horas quando percebeu pegadas frescas que passavam pela neve e chegavam até a trilha, então parou e pôde ver que um dos trenós havia andado em zigue-zague depois deste ponto. Algo o havia interceptado, e não era um urso. A pegada se assemelhava mais a de um lobo, mas era bem maior. Voltou a tocar seus cães, dessa vez com pressa, na intenção de chegar aos trenós o quanto antes. Quase três minutos após ele chegou a um deles, que havia saído da trilha e se encontrava rente a uma grande árvore. Seu guia estava morto, provavelmente vitimado pelo choque contra o caule. Não havia sinal dos cães, mas muito sangue jazia espalhado em torno do trenó batido. Kanuuk estava pasmo. Ouviu um uivo muito alto e sabia que o animal estava ali perto, então pegou o rifle que se encontrava intacto caído na neve e partiu o mais rápido que pôde. Poucos metros a frente ele encontrou um corpo quase que totalmente descarnado ao lado da trilha, mas não parou. Somente quando encontrou um segundo trenó atravessado em seu caminho o esquimó brecou. Ele saltou rapidamente e ao verificar, encontrou outros dois homens desfigurados. Um deles era seu amigo. Não deu para identificar o rosto, pois estava rasgado e descarnado. Ele reconheceu pelas roupas. O sangue pingava por todas as extremidades do trenó. Onde estaria o terceiro trenó e os dois outros homens? Cautelosamente, ele seguiu a pé pela trilha, com uma tocha na mão esquerda e o rifle na mão direita. Seu dedo estava bem no gatilho da arma, preparado para atirar. Ele não parava de desejar um só segundo que os dois outros aldeãos tivessem conseguido escapar. De repente, ele enxergou dois pontos luminosos logo a sua frente. Eram olhos. Olhos de um predador. Sim... Ele conhecia bem o feitio dos olhos de um predador quando via. Seu coração disparou. Ele estranhou. Nunca havia ficado tão tenso quando caçava urso somente com a ajuda de um facão e um arpão, mas aquela situação era diferente. Era sobrenatural. O animal começou a se aproximar, rosnando, a princípio de maneira quase inaudível e depois mais e mais alto, até que estava diante do caçador esquimó, resfolegante, encarando-o bem nos olhos de maneira ameaçadora. Kanuuk experimentou um medo que jamais havia sentido antes. Tratava-se de um lobo enorme, de pelagem muito branca. Só que este lobo estava apoiado sobre duas pernas, ereto. Era um lobisomem, embora o esquimó jamais tivesse visto ou ouvido falar de tal criatura assombrosa. Sem aviso, o lobisomem saltou muito alto e derrubou Kanuuk ao bater com suas patas sobre o peito do caçador, que ficou deitado sobre a neve com a criatura rosnando de pé em cima dele, encarando-o. O animal não parava de rosnar e babar, de maneira que sua saliva respingava sobre o peito do esquimó. O caçador sabia que só teria uma chance, então, ergueu o cano da arma em direção a face do lobo gigante e apertou o gatilho. O lobisomem, ao perceber a atitude inesperada do homem, se jogou contra ele, mas já era tarde. O tiro, que a princípio deveria ter estourado a cabeça do animal, fez um buraco enorme em seu peito. Cambaleando, o monstro correu para longe, deixando um rastro de sangue. O corpo de Kanuuk ficou respingado do sangue do animal da cabeça aos pés. Ele mal podia acreditar em tudo o que havia ocorrido ali. Quando conseguiu se recompor, começou a seguir o rastro de sangue, com a mão direita tremendo sobre o rifle. Kanuuk andou por mais de meia hora atrás do lobisomem, sempre seguindo os respingos de sangue, mas eles terminaram num cadáver humano. O caçador reconheceu o homem como um dos esquimós que estivera mais cedo em sua casa. Ele conhecia aquele homem da aldeia. Se nome era Kerak. Ele olhou tudo em volta, buscando a criatura, mas não mais viu nenhum rastro. Chegou à conclusão de que o animal havia, durante sua fuga, matado Kerak e retornou para seu trenó, ainda muito tenso. Chegou à aldeia na manhã seguinte, levando apenas um corpo... O do amigo Nanaavut, pois só caberia um corpo em seu trenó. Ficou surpreso ao encontrar lá, sã e salvo, o quinto homem.

- Você trouxe o corpo de Nanaavut. Onde estão os outros?

- Próximos à trilha. Estão todos mortos.

- Você viu a criatura?

- Sim... Atirei nela, mas ela conseguiu fugir mesmo ferida.

                              Neste momento, já havia dezenas de aldeãos em torno do trenó de Kanuuk.

- Você, pelo visto, foi o único de seu grupo a sair com vida. Como conseguiu?

- Coloquei meu trenó a correr o máximo que pude, assim que vi Kerak se tornar aquela coisa.

- Como assim...? Do que está falando?

- É como ouviu. Kerak é o próprio Krikoin.

- Não pode ser... Passei pelo corpo de Kerak. O monstro o matou. 

 

 

 

2.

 

                              Kanuuk tentava acostumar a mente ao ocorrido. Tentava também entender o que de fato ocorrera. Muita coisa ali fugia a sua compreensão. Resolveu retornar ao local durante a noite para examinar melhor os corpos e para tentar reencontrar a criatura e terminar o que havia começado, então pediu a um amigo aldeão para descansar em sua casa e este deu sua permissão. Tão logo se deitou, o amigo lhe trouxe sua própria esposa e lhe ofereceu, costume comum entre o povo esquimó.

 

 

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