Crystal

              

                 

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Dedico este livro à minha

amada filha Larissa, por ter

se apaixonado bem cedo pelo

incrível universo da leitura.

 

Texto Autor Crystal

 

 

 

Este livro é baseado (acreditem)

em um sonho que tive na madrugada

de dois de setembro de 1993.

 

 

 

 

 

 

Fabrício estava radiante porque começar a cursar direito era um de seus maiores sonhos. Pôs a melhor roupa que possuía, aparou o cavanhaque ralinho, caprichou no perfume e quando se preparava para sair, ouviu um som de chaves do outro lado da porta do sobrado. Era sua irmã Patrícia, de dezessete anos quem chegava em casa.

  • Oi, mano. É hoje o grande dia?

  • Isso. Meu primeiro dia na faculdade.

  • Onde é mesmo que vai estudar?

  • Em Vaz Lobo.

  • Ah... Pertinho.

  • Conseguiu a vaga?

  • Sua amiga achou melhor esperar eu completar dezoito anos. Ficou preocupada com a fiscalização. Disse que minha vaga está garantida, mas só posso começar daqui a três meses, depois do meu aniversário.

  • Melhor que nada. Falta pouco. A Cíntia é gente boa.

  • De onde você a conhece?

  • Ela é cliente nossa lá na firma.

  • Vocês são contadores dela?

  • Isso mesmo.

  • Então meus documentos vão ficar em boas mãos.

  • Obrigado pelo elogio. Meu patrão vai gostar de saber. E a loja dela, é show?

  • Típica boutique de shopping.

  • E você vai ficar no Madureira Shopping ou na loja do Norte Shopping?

  • Ela ainda não falou. Provavelmente em Madureira.

  • Tomara. Fica bem mais perto aqui do Campinho.

Fabrício teve de se abaixar bem para beijar a irmã no rosto e sair pela porta. Tinha 1,82 de altura contra 1,63 dela. Fabrício estava com vinte e três anos, trabalhava como auxiliar em escritório de contabilidade em Madureira para ajudar nas despesas, pois os pais haviam falecido em acidente de automóvel sete anos atrás. A irmã mais velha, Maíra, de vinte e nove anos, morava em Miami desde os vinte e cinco, quando conheceu o marido americano no carnaval do Rio de Janeiro. Carl, seu esposo, era um rico diretor de empresa de construção civil na cidade. O pai dele, Joseph, era o dono da firma. Devido à situação financeira tranqüila da irmã mais velha, Fabrício, irmão do meio, conseguiria pagar a mensalidade da faculdade, o aluguel e as despesas adicionais sem muito esforço, pois ela enviada boa quantia todos os meses para a conta dele. Sempre preocupada, ligava pro telefone do sobrado no bairro do Campinho onde mantinha o casal de irmãos morando. Exigia apenas que fossem unidos e se protegessem mutuamente e não deixassem de estudar. Prometera ainda comprar uma loja de souvenires assim que fosse possível para traze-los ao país que lhe acolhera, onde desde então ficariam perto dela para não mais voltar ao Brasil.

Fabrício chegou ao prédio onde funcionava a faculdade radiante. Na verdade, apesar da oferta da irmã de assumir a direção da loja que planejava abrir futuramente em Miami, ele jamais pretendeu deixar o país natal. Fazia planos de se formar em Direito e prestar um concurso público, para ser oficial de justiça, policial federal, ou quem sabe até delegado, juiz ou promotor público. Tinha apoio da irmã para bancar os estudos e os concursos, e isso o deixava feliz. Tinha a cabeça centrada e se orgulhava de ser responsável. Pensou na namorada Leila, de vinte anos, com quem mantinha relacionamento havia três. Ele a tinha conhecido na fila do cinema e desde o inicio do romance, já haviam terminado inúmeras vezes. Fabrício não aceitava o caráter liberal da namorada, que gostava de sair com as amigas a qualquer hora, para qualquer lugar. Caía na farra, alegando que o respeitava e não pensava em traí-lo.

  • Só quero me divertir, nada mais.

Dizia sempre ela.

  • Você tem que entender que uma garota que tem namorado deve obedecer regras. Nós não somos só ficantes. Estamos juntos há três anos.

A verdade é que Leila queria viver intensamente. Dizia para as amigas que iria aproveitar a juventude ao máximo, pois passaria muito rápido. Fabrício não acreditava que a namorada fosse fiel. Conhecia a índole das amigas com quem andava. Tudo isso perturbava muito a mente dele e tirava a sua paz, mas sempre acabava pedindo para reatar, pois na verdade gostava dela. Era uma morena de rosto bonito, corpo perfeito e chamava atenção, porém, era atirada, desinibida e completamente extrovertida. Louca de tudo, como costumavam dizer as amigas, que odiavam o jeito corretinho de ser de Fabrício. Subiu as escadas e ao confirmar que estava diante da sala de aula correta, adentrou-a, revirando o recinto com os olhos, procurando o melhor lugar para se sentar. Percebeu, num canto da sala, um grupo de cinco meninas que cochicharam algo ao vê-lo chegar. Sabia que atraía boa parte das mulheres, por ser alto e pintoso. Sorriu pra elas e elas revidaram com bonitos sorrisos. Achou uma delas, em especial, muito atraente, mas, infelizmente, era justamente a única que parecia indiferente a presença dele. Tratava-se de uma loirinha de olhos azuis claríssimos, com rosto angelical. Aparentava vinte anos ou menos. Malandramente, tratou de se sentar logo atrás delas. Gisele, a menos tímida das cinco, puxou assunto com ele quase que imediatamente.

  • Acho que te conheço de vista.

  • Talvez. Eu moro aqui perto. Sou do bairro do Campinho.

  • Ah... Sabia. Eu também moro no Campinho.

  • Suas amigas também?

  • Não. Elas três são do Méier e a Suzana de Irajá.

  • Vocês se conhecem de onde?

  • Terminamos o ginásio juntas em uma escola no Méier.

  • Entendo. Vocês são todas lindas.

As meninas se entreolharam e deram gargalhadas, satisfeitas com o elogio. A única que não o olhava era a tal loirinha, e isso o incomodava. Gisele, que era uma pretinha de traços finos, bonita e falante, apresentou uma por uma das amigas, que foram apertando-lhe a mão e dizendo seus nomes. A loirinha, que foi a última, não o encarou.

  • Crystal.

  • Crystal? Combina com você.

  • Por que? É um nome lindo.

Crystal ruborizou.

  • Você é muito tímida, não é mesmo?

  • Um pouco. Por que pergunta?

  • Primeiro porque não me olha nos olhos. Segundo porque ficou com as bochechas rosadas quando te elogiei.

  • Ah, sim... Quanto às bochechas, tudo bem, mas me desculpe por não te encarar. É que não posso vê-lo.

Fabrício levou um choque. Era como que se tivesse levado uma garrafada na cabeça. Finalmente percebeu a linda loira era cega. Ficou sem ação. Foi acometido de repentina tristeza. Tristeza e pena.

  • Não posso vê-lo, mas já estou sabendo que você é gato. Minhas amigas não perderam tempo em deixar isso em evidência. Elogio se paga com elogio.

  • Agora quem está sem graça sou eu.

  • Não. Você não é tímido. Conheço só pelo tom de voz.

Neste momento, o professor entrou na sala, pediu silencio, e foi atendido. Ao final da aula, lá pelas 21:30 hs., Fabrício ofereceu carona as cinco garotas. Suzana, que tinha um Vectra prata, negou.

  • Não se preocupe, eu estou de carro e costumo dar carona pras meninas. Além disso, seu carro é um Palio. Queria ver como você ía enfiar nós cinco aí dentro.

  • Se incomodam, então, se eu der carona pra Crystal?

Todas olharam pra amiga neste momento, na certeza de que ela diria o que realmente falou.

  • Prefiro ir com Suzana, mas obrigada assim mesmo.

  • Tem certeza? Queria muito ir conversando com você até o Méier. Estou tão curioso.

  • Curioso? Por que? Quer saber o que uma deficiente visual está fazendo em uma faculdade?

  • Não... Por favor, Crystal, não foi isso que quis dizer.

  • Então o que foi que quis dizer?

Fabrício ficou mudo. Não encontrou palavras para justificar. Gisele quebrou o gelo.

  • Puxa vida, Crystal... Não está vendo que pretexto do rapaz. Ele só está interessado em te conhecer melhor.

  • Desculpe, Fabrício. Não sei porque falei isso. Pode me perdoar?

  • Só se você aceitar a carona.

  • Mas não te conheço.

  • Conhece sim. Nos apresentamos lá em cima, você se esqueceu?

  • Você entendeu o que eu quis dizer.

  • Posso te garantir que não sou nenhum serial-killer.

Antes que Crystal pudesse dizer mais alguma coisa, Suzana gesticulou para que as outras amigas entrassem em silencio em seu carro, depois bateram as portas e partiram, deixando a loirinha com Fabrício.

  • Suzana... Ah, não... Você me paga.

  • Vamos... Não vai querer pagar um táxi daqui até em casa.

Sem ter mais como negar, Crystal adentrou o veiculo ajudada pelo rapaz.

  • Qual a cor de seu carro?

  • Azul.

  • É a minha cor preferida.

  • Que bom. Isso é sinal de que começamos bem.

  • Começamos o que, bem?

  • Nossa amizade, que espero que seja curta.

  • Curta... Puxa vida, mas por que?

  • Por que não pretendo ser seu amigo pra sempre. Quero evoluir.

  • Definitivamente você não é mesmo tímido.

  • Que me diz?

  • Dizer do que?

  • De sairmos no fim de semana.

  • Onde você pretende me levar?

  • Pra onde você quiser ir.

  • Você não espera que eu diga que seria um motel, não é mesmo?

  • Puxa vida, Crystal, por que está tão arisca? Só estou tentando ser agradável com você.

  • Desculpe mais uma vez. Estou meio nervosa.

  • O que está te deixando nervosa?

  • Você.

  • Mas por que?

  • Por que está interessado em mim.

  • E que mal há nisso?

  • Sou cega, ora. Você só quer me usar.

  • Crystal, não é verdade. Por que pensa que quero usar você?

  • Quem levaria um relacionamento sincero com uma cega?

  • Meu Deus... O que se passa no seu coração?

Crystal começou a chorar. Fez-se silêncio, e então Fabrício parou num semáforo e passou a enxugar as gotas de lágrima com a manga de sua blusa, carinhosamente.

  • Você deve estar me achando uma garota estúpida e complexada.

  • Complexada, talvez.

  • Onde estamos?

  • Chegando no seu bairro. Em que rua mora?

A loira passou-lhe seu endereço e em menos de dez minutos Fabrício parava em frente sua casa. Ao perceber se tratava praticamente de uma mansão, o rapaz suspirou.

  • Caramba! Que casarão... O que seus pais fazem na vida?

  • Meu pai, somente. Ele é dono de uma loja de materiais de construção aqui no bairro mesmo. Minha mãe não trabalha fora. Meu pai não tem muito dinheiro. A casa é grande e bonita por causa da facilidade que ele tem em adquirir o material.

  • Entendo. Até logo.

Fabrício se reclinou sobre ela, dando-lhe um beijo suave na boca, de surpresa.

  • Nunca mais faça isso. Sou cega, mas sei que seu rosto está ao alcance da minha mão.

  • Você não gostou? Tive a impressão de que havia gostado.

  • Então tente fazer de novo.

Fabrício fez silêncio e ficou parado, sem querer correr o risco de levar o prometido tapa na cara. Ficaram ali parados por alguns segundos, então ela falou algo.

  • Sim.

  • Sim, o que?

  • Eu gostei do beijo. Sua boca é cheirosa. Acho que pode me dar outro desse.

Fabrício sorriu. Era tudo o que queria ouvir. Se reclinou novamente, mas desta vez não deu somente uma bitoca. Foi um beijo de língua que durou quase dois minutos. Crystal sentiu que tanto seu coração quanto o do rapaz estavam aceleradíssimos.

  • Foi bom. Foi bom demais. Por que tinha que ter sido tão bom?

  • Qual é o problema do beijo ter sido bom?

  • O problema é que não gostei de ter gostado, por que não vou ficar saindo com você.

  • E que tal namorar, então?

  • Não me faça rir. Acabamos de nos conhecer.

  • E o que tem isso? Já sei... Você tem namorado.

  • Não tenho namorado há mais de dois anos.

  • Por que?

  • Tenho medo de ser usada.

  • Crystal... Você está deixando a vida passar sem ter vivido.

  • Desde que fiquei cega, a escuridão não ficou só nos olhos, mas também dentro do meu coração.

  • Você não nasceu assim?

  • Não.

  • Quer falar sobre isso?

  • Fiquei cega aos cinco anos de idade, por causa de um coágulo que se formou no meu cérebro.

  • Puxa vida... Não tem como operar?

  • Sim, mas é arriscado. Os médicos disseram ao meu pai que o risco de morte, paralisia ou seqüelas era grande. Ele não quis arriscar.

  • E você?

  • Você o que?

  • Não quis arriscar?

  • Tenho medo. Muito medo. Medo de piorar o que já está ruim.

  • Sei que é fácil falar quando se está de fora, mas eu teria arriscado.

  • Vou entrar. Meus pais já devem estar preocupados.

  • Te vejo amanhã?

  • Claro que sim, estamos na mesma turma da faculdade, lembra? Desculpe mais vez. Estou só brincando.

  • Quer que leve até a porta?

  • Não é necessário. Estou acostumada.

  • Me deixe feliz. Diga que vamos continuar saindo.

  • Primeiro vou te investigar. Tenho certeza que já tem namorada. Os caras bonitinhos sempre tem.

Crystal sorriu e entrou em casa. Sua observação desbancou Fabrício. Ele ficou tremendamente interessado na loira, mas o que fazer a respeito da morena, que namorava havia anos? No dia seguinte, pensou em Crystal no trabalho o dia inteiro. Não conseguia parar de se imaginar beijando aqueles lábios novamente. Quando chegou em casa, tratou de se arrumar decentemente, caprichou no perfume mais uma vez e partiu pra faculdade. Chegou cedo. Era a ansiedade de ver Crystal. Se acomodou na mesma cadeira que da noite anterior, enfiou a mão dentro da mochila e tirou o livro Código da Vida, de Saulo Ramos. Passou a lê-lo. Saulo era seu ídolo. Advogado inteligentíssimo que já havia sido até ministro. Antes de terminar a página, ouviu a voz inconfundível de Gisele e olhou em sua direção. As cinco meninas estavam entrando na sala de aula. Também haviam chegado cedo. Passaram por Fabrício, cumprimentaram ele e foram se sentar no final da sala, sorrindo. Ele se levantou e tocou no ombro de Crystal.

  • Posso conversar contigo antes da aula começar ali no corredor?

  • Pode conversar aqui mesmo, não tenho segredos para com as minhas amigas.

  • Eu sei, mas é particular. Vocês se incomodam?

As quatro amigas de Crystal balançaram a cabeça, querendo dizer que não. Ele então, com gentileza, puxou-a pela mão e a conduziu para fora.

  • Não estou me agüentando de tanta ansiedade. Pensei em você o dia inteiro. Quero que seja minha namorada, Crystal. Diga que também quer, por favor.

  • Por acaso você é bígamo?

  • Por que pergunta?

  • Por que minha amiga que é sua vizinha, tem uma vizinha que te conhece e que disse pra ela que você namora uma garota chamada Leila, morena linda, com quem você já está há pelo menos três anos.

Fabrício sentiu o mundo todo desabar sobre sua cabeça. Pretendia contar a Crystal sobre Leila, se os dois viessem a namorar. Terminaria o relacionamento de três anos com a morena e tudo estaria resolvido. Mas agora ele sentia rancor na voz da loira, por quem indubitavelmente estava se apaixonando.

  • Crystal... É verdade. Mantenho um relacionamento conturbado com Leila, mas já não somos felizes juntos há muito tempo. Se me der uma chance, eu vou terminar tudo com ela. Passei o dia todo entusiasmado com nossa conversa de ontem, não me jogue um balde de água fria.

  • Também estive entusiasmada com você. Não devia, mas estive. Não queria, mas estive. Só que foi somente até ficar sabendo de sua Leila.

  • Escute... Meu coração disparou quando te vi hoje. Estou louco por você, acredite. Vamos nos dar uma chance.

  • Pena que eu não possa dizer que meu coração também disparou quando te vi, porque, como sabe, eu não vejo. Não vejo nada. Mas eu sinto. Sinto quando um homem é cafajeste. Quer uma chance? Termine seu relacionamento anterior e venha conversar comigo. Quem sabe, assim, talvez eu ainda lembre do gosto daquele beijo e queira repetir a dose?

Crystal deu as costas a Fabrício e voltou pra junto das amigas. O rapaz voltou então para a cadeira onde estava antes de abordar a menina. Estava preocupado com aquela situação delicada, mas algo que ela disse o animou. Ela havia falado “Termine seu RELACIONAMENTO ANTERIOR e venha conversar comigo”. Pela sua expressão, então, havia um relacionamento entre os dois. O que fazer? Esperar uma nova crise com Leila e terminar, ou ir direto ao assunto, assumindo que surgiu alguém e pôr fim a tudo? Baixinho, ele sussurrou para si mesmo.

  • Eu mesmo inventarei uma discussão com ela, terminado tudo.

Posto isso, olhou para trás, e só então reparou como Crystal estava linda, usando uma blusa justa sem sutiã, no que dava para perceber como seus seios eram rijos. Sabia que tinha colocado aquela roupa para provoca-lo, e conseguiu. No término da aula, seguiu Crystal até o estacionamento e fez questão de dizer alto, para que ela e suas amigas ouvissem.

  • Vou te provar que estou gostando de você de verdade, Crystal. Amanhã vou pôr fim ao meu relacionamento com a Leila e à noite vamos conversar, ok?

  • Escute, Fabrício, não quero ser pivô de uma separação. Não prefere deixar isso como está?

  • Só se você disser que não sentiu o mesmo que eu. Se você me disser que não está interessada realmente em mim, nunca mais volto a te incomodar.

Crystal calou-se, entrou no carro e disse uma seqüência de oito números para Fabrício, que não entendeu.

  • O que é isso?

  • O número do meu celular, tonto. Me ligue depois de ter conversado com ela, ok? Também estou ansiosa. Quanto a não estar interessada em você... Nunca desejei tanto alguém. Pronto, falei... Estava engasgada. Tchau!

Fabrício sorriu, invadido por uma felicidade sem precedentes. Tinha medo que a loira estivesse brincando com ele, mas a intuição era contrária. De repente, ouviu uma voz familiar e olhou pra trás. Quão surpreso não ficou ao deparar com a própria Leila.

  • São suas amigas?

  • Que faz aqui?

  • Esqueceu que moro no outro quarteirão? Vim te visitar. Como estão as aulas?

  • Pra mim, parece que veio me vigiar.

  • Tenho motivos? Quem são as garotas?

  • Só colegas da minha turma.

  • Você parecia tão feliz antes de me ver. Agora fechou a cara. Não estou te entendendo. Não era pra ser o contrário?

  • Não gosto que me vigiem. Me diga quando fui atrás de você pra olhar o que fazia.

  • Mas que droga, Fabrício. Eu não estava te espionando. Vim te ver porque bateu saudade. Por que está tão agressivo?

  • Por causa da cena de ciúme.

  • Não estou fazendo cena, só não gostei da intimidade com as piranhas.

  • Não chame elas assim.

  • Está defendendo as vadias?

  • Já pedi pra não falar assim, Leila.

  • Já entendi. Com qual delas está saindo. Ou está saindo com todas? É bacanal que está rolando?

  • Fim da conversa, Leila. Estou indo.

  • Não vai me deixar em casa?

  • Não...

A negativa de Fabrício foi um grito. Leila começou a chorar, parada onde estava, observando-o manobrar seu carro. Conhecia bem o namorado pra saber que algo errado estava acontecendo. Voltou pra casa decidida a ligar pra ele, e o fez tão logo chegou.

  • Alô... Patrícia, cunhadinha, como vai?

Patrícia nunca gostou de Leila. A considerava vulgar e achava que ela fazia seu irmão de palhaço.

  • Não tão bem quanto você.

  • Escuta, seu irmão já chegou?

  • Chegou neste instante. Está tomando banho.

  • Sei que você diria qualquer coisa que me desagradasse com prazer, por isso vou te perguntar. O Fabrício está me traindo?

  • Espero que sim.

  • Isso quer dizer que você não sabe?

  • Sim, se não, como você mesma acabou de frisar, te diria com prazer. Ele acabou de sair do banheiro.

  • Passe pra ele, por favor.

  • Alô...

  • Amor, se abre comigo... O que está acontecendo? Você conheceu outra menina? Está tendo um casinho?

  • Não conheci ninguém, mas quero dar um tempo.

  • Outro tempo...?

  • Isso.

  • Por que isso agora?

  • Você sabe... Os motivos de sempre. Suas saídas noturnas, seu descompromisso...

  • Se você quiser um tempo, eu vou te dar. Agora escute o que vou te dizer. Acho que você está entusiasmado com alguma piranhazinha. Se eu descobrir algo, você vai ser o cara mais corno do subúrbio carioca, ou talvez de todo o Rio de Janeiro. Sei que vai acontecer. Uma hora você vai se desiludir e vai me procurar, aí, então, vou te fazer sofrer, como você está me fazendo agora.

Bateu o telefone com a força. Fabrício, apesar de chocado com as palavras de Leila, sentia-se aliviado. Estava acabado. Crystal estava mais perto de ser sua do que nunca. Não quis esperar até o dia seguinte. Ainda segurando o gancho do telefone, discou o celular da loira. Ela havia acabado de chegar em casa quando o aparelho vibrou, dentro de seu bolso. Abriu o flip e colocou o telefone no ouvido, sem imaginar quem poderia ser.

  • Alô... Quem me liga?

  • Está feito.

  • O que está feito? Quem está falando?

  • É o Fabrício, Crystal. Acabei de terminar com a Leila.

  • Meu Deus... Você agiu mesmo rápido.

  • Se não acredita em mim, confirme tudo amanhã da maneira que achar melhor.

  • O que você disse a ela?

  • Ela está desconfiada de que existe alguém. Pedi um tempo, mas logo ela vai nos ver juntos e saberá que o tempo foi desculpa minha.

  • Ainda acho que deveria ter ido direto ao assunto.

  • Ela faria de tudo pra me fazer desistir de você.

  • E você desistiria?

  • Não. Nunca.

  • Você está mesmo apaixonado?

  • Muito. E você?

  • Acho que sim.

  • Você quer ser minha?

  • Sim... Muito.

  • Posso te ver amanhã na minha hora de almoço?

  • Onde?

  • Onde você escolher.

  • Na praça de alimentação do Madureira Shopping Rio.

  • Ok, está combinado. Tem alguém que possa te deixar lá?

  • Sim, minha mãe. Ela me deixa lá encima, depois vai embora. Que horas devo chegar?

  • 12:10 hs.

  • Estou ansiosa pra te ver... Humor negro.

  • Que senso de humor, hein.

  • Vou te dar um voto de confiança. Estou acreditando na sua palavra de que realmente abriu com a Leila, mas se eu descobrir que você mentiu, nunca mais terá outra chance.

  • Fique tranqüila. Quero construir uma relação baseava na verdade.

Por volta das onze dez horas da manhã de quarta-feira, Crystal chegou a cozinha de sua casa, onde sua mãe se encontrava.

  • Mami... Pode me deixar no Madureira Shopping hoje ao meio-dia?

  • Não pode ser no Norte Shopping, meu amor, que é mais perto?

  • Tem de ser em Madureira. Tenho um encontro.

  • Um encontro? Quer dizer... Com um rapaz?

  • Claro, mãe, ou você acha que sou lésbica.

  • Não foi isso que quis dizer, minha filha. Só estou surpresa. Você está com vinte e um anos de idade e nunca teve um namorado.

  • Nunca namorei, mas já dei minhas saidinhas.

  • E neste caso se trata do que? Uma saidinha ou namoro?

  • Vou descobrir hoje.

  • Posso saber que é o rapaz?

  • Sim, detetive... O nome dele é Fabrício, tem vinte e três anos, é auxiliar de contabilidade e mora no Campinho. Ah, sim, estudante de Direito, como eu.

  • Ah... Um colega de classe. Pelo menos é um universitário. Isso é bom. Que horas devo busca-la?

  • Aguarde a minha ligação. Não sei se ele vai me trazer em casa.

  • Que chique.

  • Engraçadinha.

A mãe de Crystal se chamava Beatriz, era loira de cabelos compridos como ela e também tinha olhos azuis. Bonita e malhada, aos quarenta e cinco anos de idade. Tinha mais um filho, o Júnior, dois anos mais velho que a irmã, a quem era muito apegado. Na hora combinada, Beatriz deixou a filha sentada em frente ao Mc’Donalds e partiu. Menos de um minuto após, Fabrício chegou por trás da loira, tapando seus olhos, ironicamente.

  • Engraçadinho, você, não?

  • Como você está?

  • Esperando por você ansiosamente.

  • Sua ansiedade não é maior do que a minha.

  • Tenho algumas coisas pra deixar claras para você, antes de mais nada. Fiquei com poucos caras até hoje, e com nenhum deles passei das preliminares. Nunca transei com ninguém e não sei se estou querendo isso ainda. Portanto, se quiser sexo real, é melhor que terminemos isso antes que comece. Não estou dizendo que jamais vai rolar, mas se acontecer será naturalmente, não adianta me pressionar. Se estiver com pressa, parta pra outra antes que eu me envolva ainda mais com você, ok?

  • Por mim, tudo bem. Vamos deixar as coisas fluírem naturalmente, como você mesma disse.

  • Outra coisa. Não é porque não vou poder te dar esse prazer que vou aceitar que você pule a cerca. Sou ciumenta e não aceito nenhum tipo de traição, nem com essa justificativa. Sei que estava acostumado a dormir com a Leila e com o tempo isso te fará muita falta, é natural, mas não... Não vou tolerar traição, principalmente se for com ela. Estamos entendidos?

  • Perfeitamente. Posso te beijar agora?

  • Engraçadinho.

Crystal sentiu o toque dos lábios de Fabrício intensamente. Sabia que toda aquela história de não transar duraria pouco tempo, pois estava fervendo por dentro. Se sentia atraída pelo recente namorado como nunca havia ficado por nenhum outro homem. Algo nele a excitava. Sua voz e suas maneiras eram agradáveis. Seu toque, gentil e sensual. Pela primeira vez passou as mãos pelo seu rosto, na tentativa de imaginar sua fisionomia. Sabia que era belo pelo que suas amigas diziam a respeito dele. Se beijaram tanto e tanto que esqueceram de lanchar. Quando o estomago de Fabrício roncou, ele olhou pro relógio. Não podia acreditar que estava atrasado. O tempo havia passado de maneira espantosa. Lembrou-se de quando seu pai dizia, que quando estamos felizes, as horas voam. Quando estamos tristes, as horas parecem uma eternidade. Pegou seu celular e ligou para o escritório onde trabalhava, dizendo que havia sentido dores de estomago e tonturas depois que almoçou e achava que tinha sido intoxicado pela comida. Seu patrão então o dispensou pelo resto do dia, mandando-o ir a um hospital.

  • Meu Deus! Você mentiu descaradamente.

  • Qualquer coisa vale pra ficar um pouco mais de tempo perto de você.

  • Não vai te gerar problemas no emprego? E se ele pedir um atestado amanhã?

  • Duvido. Em um ano de trabalho só faltei uma vez, para pegar minha irmã mais velha no aeroporto.

  • Ela mora em outro estado?

  • Não. Ela mora em outro país.

  • Sério? Onde?

  • Nos Estados Unidos.

  • Que legal.

  • Devo muito a ela. Desde que meus pais morreram em um acidente voltando de um fim de semana em Maricá, ela banca meus estudos, meu aluguel, minha conta de luz e de telefone, entre outras coisas. Meu salário só dá praticamente pra eu me alimentar.

  • Ela é sua única irmã?

  • Não. Moro com minha irmã mais nova, Patrícia. Ela é muito legal, você vai conhecer agora.

  • Como assim agora?

  • Vamos... Levante-se. Vou te levar pra conhecer a minha casa.

  • Olha... Lembre-se das regras básicas.

  • Não se preocupe.

Chegaram pouco depois ao sobrado, onde, pela janela, Patrícia pode vê-los estacionar o carro na calçada. Ela ficou radiante quando viu o irmão ajudar a loira a sair do carro.

  • Gente... Será que meu irmão realmente terminou com aquela megera e já está namorando outra? Tomara que sim.

  • Pati... Essa é a Crystal, sua nova cunhada.

Ao dizer isso, Fabrício, por intermédio de gestos, fez Patrícia entender que a namorada era deficiente visual. Sem perder tempo, a menina deu forte abraço na cunhada, que sorriu.

  • Puxa... Vocês dois tem o mesmo cheiro. E aí, Pati? Loira ou morena?

  • Como?

  • Você... É loira ou morena?

  • Morena, que queria ser loira. Tá bom assim?

  • Ah... Então vamos trocar. Eu sou uma loira que queria ser morena.

  • Nós mulheres nunca estamos satisfeitas com o que temos, não é mesmo? Irmão, eu já estava de saída. Até logo.

  • Espera aí, não precisa ir embora, cunhada.

  • Está na minha hora do colégio. Estou até de uniforme. Você é linda. Tchau.

Patrícia, simpática que era, deu um beijo no olho esquerdo de Crystal e saiu pela porta. Fabrício se sentou com ela no sofá e os dois passaram a se beijar, cada vez de maneira mais quente, até que as mãos do rapaz passaram a acariciar os seios dela. A menina suspirou fundo, se contorceu e pediu para que parasse, mas não o impediu. Segundos depois, ele passou a beijar os mamilos por cima da blusa, mas quando fez menção em arriar a já úmida camisa, ela segurou sua mão.

  • Por favor...

  • Não vou passar das preliminares.

  • Eu sei, mas eu tenho medo de eu passar.

  • Não vou permitir que isso aconteça, prometo. Confie em mim.

  • Está bem.

Dito isso, a linda loira puxou a blusa por cima da cabeça, euforicamente, revelando o busto encantador. Ficaram ali, namorando, por quase uma hora, até que, descontrolada, Crystal desafivelou o cinto do namorado. Percebendo que estava para acontecer o que haviam combinado que não era correto para o momento, ele se levantou e se recompôs.

  • O que foi?

Perguntou ela.

  • Só estou cumprindo minha promessa.

  • Obrigada. Sabia que podia confiar em você.

  • Sabe do que nos esquecemos?

  • De que?

  • De comer algo. Estou morrendo de fome.

  • Eu também.

  • Vamos comer um hambúrguer no Bob´s.

  • Que tal depois pegarmos um cinema?

  • Cinema... Mas...

  • Sei o que vai dizer. O que uma ceguinha vai fazer no cinema? Saiba que sou uma cinéfila maníaca. Ouço tudo, entendo o filme perfeitamente e chego a chorar de emoção. É claro que algumas cenas preciso de informação visual, é onde você me ajuda.

  • Mas e quando o filme é legendado?

  • Ouça um segredo meu, jovem... Falo inglês fluentemente.

  • Fantástico. Vamos, então. O cinema nos aguarda.

 

Desculpe, esta é apenas uma prévia. O conteúdo total estará disponibilizado aqui em breve.