Ira Maldita

 

Ira Maldita

 

 

 

Por André Nunes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                    Fernando se preparava para aparar a barba no banheiro de seu apartamento na gávea. Era por volta de 06:30 hs da manhã. Deixaria o casal de filhos, Cristiane e Cristiano na escola antes de partir pro centro da cidade para trabalhar, como fazia todos os dias úteis. Era gerente geral de um banco na av. Rio Branco havia quase dez anos, onde conheceu sua esposa, Elisabeth. Ela começou a trabalhar em sua agência quando ele já a administrava havia três anos. Se apaixonou por ela quase que imediatamente. Era linda e de sorriso encantador. Convidou-a para almoçar três vezes, tendo ela aceitado na terceira. A principio, enrolou-o por ser quase vinte anos mais velho e nada bonito, apesar de esbelto. Fernando Mota Souza era um mulato alto e magro e na época possuía quarenta anos contra vinte e três de Bete. O gerente bancário possuía situação financeira bem razoável, morava sozinho em apartamento aconchegante na Gávea e só andava de carro do ano. É claro que tudo isso influenciou na decisão de Bete, que começou a namorar com ele, naquele mesmo ano em que conseguira o emprego na agência. Em poucos meses estavam casados e uma vez dentro de sua casa, Fernando a tirou do emprego. Dizia que mulher sua não precisaria trabalhar. Era desnecessário. Ficaria em casa cuidando de seus filhos. Um deles já estava a caminho, motivo pelo qual ficaram noivos às pressas. Era Cristiano quem viria, seguido por Cristiane. A caçula nasceria um ano após o irmão. Antes de conhecer Elisabeth, Fernando namorava Sueli, uma empresária riquíssima que se alternava entre a Holanda e o Brasil, pois tinha dupla nacionalidade, uma vez que seus pais, já idosos e também muito ricos, eram holandeses e moravam em seu país natal. Mas Sueli era autoritária, ciumenta e dois anos mais velha que Fernando, que já estava saturado da relação e decidiu por fim em tudo quando Bete lhe disse sim. No começo, tudo foi festa. Assim que se casaram, viajaram para conhecer os Estados Unidos. As passagens de avião foram por conta da instituição financeira. Ele percebeu que havia acabado o creme de barbear que ficava dentro do espelho do banheiro e gritou para a esposa lhe trazer outro spray. Ela, além de não responder, não apareceu com o creme de barbear, o que irritou Fernando, fazendo-lhe dizer palavrões e ir ao encontro dela. Como estava na cozinha providenciando o café da manhã, fingiu não escutar o marido para que não precisasse parar sua tarefa. Ele se limitou a espraguejar algo quase inaudível e se dirigiu à dispensa, onde finalmente pegou outro spray. Após se barbear, deu um beijo em Bete, que havia engordado pelo menos seis quilos desde que haviam se conhecido, e se dirigiu ao elevador, junto de seus filhos. Ao chegar a garagem do prédio, Cristiano alertou o pai de que sua irmã havia esquecido a mochila no apartamento, então mandou que as crianças ficassem esperando dentro do carro enquanto subia. Ao chegar diante da porta de seu apartamento, que havia ficado entreaberta por causa dês seus filhos que nunca a fechavam, ouviu a voz de Bete ao telefone. O teor da conversa o deixou completamente atordoado.

  • Ele já saiu. Devo estar chegando aí por volta das 08:30 hs. Não sei ainda, tenho que pensar melhor. Você sabe que te amo. Não sei pra que isso, se estamos tão bem. Sua obrigação é me dar prazer, prazer e prazer e nada mais. Tchau.

Fernando ficou sem saber o que fazer ou falar. Permaneceu ali parado por alguns segundos, acometido de súbita enxaqueca. Não podia acreditar no que tinha ouvido. Quando viu pela fresta da porta a esposa entrar no banheiro e ouviu o som da água do chuveiro cair, decidiu entrar e pegar a mochila da filha. Desceu, sem que Bete soubesse que havia estado no apartamento. Estava confuso e desapontado. Seu coração batia a uma velocidade fora do normal. Deixou as crianças na escola ali perto e partiu pro banco, onde informou que precisava se ausentar naquele dia. Iria resolver um problema. Partiu pra Baixada Fluminense, onde morava sua sogra, dona Helena, mãe de Bete. Ao chegar na casa humilde, no bairro de São João de Meriti, dona Helena ficou surpresa com a visita. Percebeu que Fernando estava nervoso e ansioso e pediu-lhe para se acalmar. A sogra o mandou se sentar no sofá e perguntou o que havia acontecido.

  • Sua filha, dona Helena... A senhora sabia que ela tem um amante?

  • Amante? Não é possível. Minha filha não faria isso com você. Você a ajudou tanto. Não... Não acredito. Por que você acha que ela tem um amante?

  • Eu ouvi ela falar ao telefone com ele hoje. Não há dúvida. Disse que o amava e que iria se encontrar com ele as 08:30 hs. Já deve estar com ele neste momento.

Dona Helena pegou o gancho de seu telefone e discou o número do apartamento. Ficou vários minutos aguardando a filha atender, depois desistiu. Era óbvio que não havia ninguém em casa.

  • Fernando, se acalme e vá trabalhar. Vou conversar com minha filha assim que ela chegar em casa. Você vai ver que tudo não passou de um grande mal entendido.

  • Eu sei... Eu sei, que ela tem outro. Sua filha mudou muito comigo depois que a Cristiane nasceu. O que vou fazer da minha vida, Dona Helena?

Neste momento, Fernando não conseguiu mais segurar as lágrimas. A mãe de Bete teve pena dele e começou a se desesperar com aquela situação. Trouxe-lhe um copo de água, que ele rejeitou educadamente, depois, se levantou e foi em direção a porta. Se despediu da sogra e entrou no Fusion, enxugando as lágrimas. Pegou a av. Brasil na intenção de ir pra casa. Aguardaria Bete chegar e exigiria toda a verdade. No caminho, ficou lembrando dos bons momentos que viveram juntos. As viagens que fizeram, os fins de semana que passaram na casa de veraneio em Macaé, etc. Ao entrar na garagem do prédio, percebeu que o carro dela estava na vaga. Estranhou o fato. Pôs a mão sobre o Caput. Estava frio. Será que ela havia saído de táxi? Ou o amante a tinha vindo buscar pelas redondezas? Subiu disposto a arrancar a confissão dela. Não merecia aquilo. Nem ele próprio tinha amante. Ao chegar diante da porta, respirou fundo e entrou. Escorregou logo na entrada, ao pisar em algo viscoso. Olhou pro chão, para saber do que se tratava. Era sangue. Uma poça de sangue fresco. Um calafrio passou-lhe pela espinha. Sentiu alivio ao se recordar que os filhos estavam na escola. Andou de vagar, achando que um possível ladrão ainda pudesse estar dentro do apartamento. No corredor, viu uma estatueta que dera de presente pra esposa quebrada num canto e alguns enfeites derrubados. Havia tido luta corporal ali. Um rastro de sangue ainda não coagulado passava do final do corredor pra cozinha. Ao chegar diante do fogão, encontrou o corpo de Elisabeth caído de barriga para baixo, envolto em sangue.

  • Amor... Amor... O que foi que aconteceu? Quem te fez isso?

Ao virar o corpo dela de barriga para cima, percebeu que uma faca de cortar carne de aproximadamente trinta centímetros estava enfiada em seu abdômen. Tratou de retirá-la imediatamente, depois pôs o ouvido entre os seios dela e notou que ainda havia batimentos, embora fracos. Neste momento, ouviu a porta do apartamento, por onde havia entrado, bater. Correu pra fora rapidamente, na intenção de interceptar o agressor, que estava fugindo, mas só pôde vê-lo acionando o botão, de dentro do elevador, para fugir dali. Era um homem de estatura média, careca, aparentando quarenta anos de idade, forte, e tinha uma mochila no ombro. Quando Fernando chegou ao elevador, a porta já havia fechado. Voltou correndo pra dentro de casa quando ouviu o telefone tocar e atendeu a chamada, resfolegante. Era dona Helena.

  • Fernando...? O que houve? Que voz arfante é essa, meu filho?

  • Dona Helena... Ligue pra uma ambulância. A Bete está mal. Foi esfaqueada.

  • Meu Deus... O que foi que você fez? Desgraçado... Matou minha filha. Eu te falei que ia resolver tudo. Assassino!!!

  • Não, dona Helena... Não fui eu. Acabei de ver o ladrão saindo com uma mochila. Ligue pra ambulância, dona Helena. Rápido!

Bateu o telefone e correu de volta pra junto da mulher. Bateu levemente em seu rosto, tentando faze-la despertar. O sangue ainda fluía pelo corte do abdômen e também de um talho profundo na coxa esquerda. Elisabeth estava completamente nua. Imaginou se o ladrão também não a estuprara. Tinha quase certeza que sim. Pegou no pulso da esposa e não sentiu sua pulsação, então decidiu encostar novamente o ouvido ao peito dela, somente para confirmar o que já desconfiava. Ela estava morta. Seu coração já não batia mais. Largou o corpo inerte de Bete no chão e pôs as mãos na cabeça, desnorteado. Pensou nos filhos, que ficaram órfãos de mãe. Interfonou para o porteiro do edifício e perguntou sobre o tal sujeito careca, de mochila nas costas.

  • Careca...? Não passou nenhum careca pela portaria, Sr. Fernando.

  • Como, não passou? Ele invadiu meu apartamento e esfaqueou a minha mulher.

  • Espere um momento, tem uma viatura aqui em frente com dois policiais militares sinalizando pra eu abrir a porta. Foi o senhor quem chamou?

  • Não, mas mande-os subir imediatamente. Tomara que tenham prendido o bandido.

Fernando aguardou os policiais em frente à porta do apartamento, mas para sua surpresa, eles traziam pistolas apontadas para ele, que estava coberto do sangue de Elisabeth. Mandaram-no encostar na parede com as mãos para cima e algemaram-no imediatamente.

  • O que estão fazendo? O ladrão está aí pela rua. Vocês tem que procurar por ele.

Quarenta e cinco minutos depois eles chegavam à delegacia. Fernando contou tudo o que havia ocorrido desde que chegou ao apartamento e quase caiu no chão ao escorregar no sangue em frente à porta. O delegado torceu o nariz, como que zombando da história que contava.

  • Sua versão é muito interessante, Fernando, só que o senhor esqueceu de mencionar que hoje pela manhã bem cedo ouviu sua mulher conversando com o amante. Sua sogra ligou pra cá agora a pouco e está chegando aqui daqui a pouquinho.

  • Eu não falei sobre isso porque é algo particular, mas já que dona Helena fez questão de contar, eu confirmo. É verdade.

  • Quer aproveitar e confessar logo que matou sua esposa, então?

  • Mas o que é que você está dizendo? Eu não matei ninguém. Um homem de cabeça raspada, alguns anos mais novo que eu, de mochila nas costas é o culpado. Eu o flagrei deixando o apartamento.

  • Sei... Só que a porta não apresenta sinal de arrombamento.

  • Minha filha costuma deixar a porta aberta ao sair. Ela é sempre a última a passar por ela e já cansei de chamar-lhe a atenção.

  • Mas o senhor não voltou em casa, justamente para pegar a mochila da menina? Por que não fechou a porta?

  • Porque não queria que minha mulher percebesse que estive lá.

  • Por que não queria que ela percebesse?

  • Porque saberia que flagrei sua conversa no telefone.

  • Por que não queria?

  • Não sei... Eu estava muito confuso. Muita coisa passava pela minha cabeça naquele momento.

  • Inclusive mata-la, não é mesmo?

  • Não! Isso não.

  • Sobre o tal cara de cabeça raspada... O porteiro não viu ninguém, nem com cabelo nem sem passar pela portaria. Pra dizer a verdade, naquele momento que o senhor diz ter visto o ladrão descer pelo elevador, ninguém em absoluto passou pela portaria, nem mesmo um morador. Ele foi bem claro nisso. A última passar por ele foi a síndica do prédio, vinte minutos antes do senhor fazer contato pelo interfone.

  • Talvez ele tenha se escondido.

  • A arma do crime, uma faca de cozinha, foi encaminhada para a perícia. Se suas digitais estiverem nela, sr. Fernando, posso lhe garantir, sua situação vai estar mesmo complicada.

  • A faca deve ter as minhas digitais porque eu a retirei da barriga de minha mulher.

  • Sr. Fernando, confesse logo que se trata de um crime passional. Juiz nenhum no mundo todo iria acreditar na incrível coincidência de sua esposa ter sido assassinada por terceiro, justamente algumas horas após o senhor ter descoberto que era traído por ela.

A cada minuto que se passava, Fernando ficava mais desesperado. Sabia que a situação era delicadíssima e tinha que provar de alguma maneira que não era o assassino. Pensou nas câmeras de segurança do prédio e um alívio quase imediato pairou sobre ele. Haviam câmeras espalhadas pelos corredores e também uma em cada elevador. Quando ia falar sobre elas com o delegado, dona Helena adentrou a delegacia, junto com o filho mais velho, irmão da vítima e cunhado de Fernando. Arnaldo se dirigiu diretamente a ele, com a cara mais enfurecida que um irmão poderia mostrar num momento como aquele.

  • Você vai pagar por isso, desgraçado. Minha irmã nunca quis se casar com você, mas você insistiu e a subornou com presentes caros até conseguir o que queria. Pressionou-a tanto que ela chegou a achar que você a mandaria embora do banco se não cedesse. Agora que descobriu que era corno, resolveu dar fim a vida dela. Quero te ver apodrecer na cadeia.

  • Arnaldo, você sempre me pareceu um homem sensato... Não deve acreditar no que está falando. Mandem examinar o sêmen no corpo dela. Ela estava nua quando a encontrei. Acho que o infeliz a estuprou antes de mata-la.

  • Você é muito esperto, mesmo. É claro que há sêmen diferente do seu no corpo dela. Pertence ao amante. Está nos chamando de imbecis?

Dona Helena, que até então só chorava, enxugou as lágrimas do rosto e pôs-se a falar.

  • Passamos no apartamento antes de vir pra cá, Fernando. Sua vizinha do lado, a dona Margarida, disse ter ouvido barulho de móveis sendo arrastados e coisas quebrando, então colou o ouvido a parede e escutou minha filha gritando e dizendo “Amor, por que está fazendo isso comigo? O que foi que te fiz?”.

  • Mas é claro... Agora está claro. Foi o amante dela. O amante a matou. Foi isso.

  • Descarado filho da puta.

Neste momento, o delegado interrompeu, pediu para mãe e filho entrarem em sua sala para pegar seu depoimento e deixou Fernando algemado, sozinho, sentado em uma cadeira. Ele chamou um dos policiais que efetuaram a sua prisão e pediu para tirarem suas algemas de modo que pudesse usar o celular para ligar para seu advogado. Mediante a negativa do soldado PM, teve de se virar, mesmo algemado.

  • Doutor Peçanha, aqui é o Fernando Souza. Não, não posso ligar daqui a pouco. Me escute, por favor. O problema é sério. Estou em uma delegacia. Minha mulher foi assassinada e estão me acusando do crime. Preciso que o senhor venha ao meu encontro imediatamente. Mas como assim não é da sua alçada? O que eu tenho a ver que homicídio não é a sua especialidade, o senhor sempre pegou minhas causas. Entendo... Causas cíveis. Estou entendendo, o senhor tem um amigo que é um ótimo advogado criminal e vai mandar ele me ligar dentro de alguns minutos. Ok, obrigado.

Fernando desligou o telefone e aguardou ansiosamente pela ligação, que não demorou muito. Um homem, que se identificou como Dr. Souto, perguntou-lhe se já havia dito algo aos policiais.

  • Sim... O delegado estava me interrogando.

  • Isso é muito ruim. O próprio delegado ter te interrogado deixa claro que ele se interessou pessoalmente pelo caso. Você vai fazer o seguinte. Se ele tornar a te perguntar algo, ou ele ou um de seus homens, diga-lhes que só voltará a falar na presença de seu advogado, ok? É muito importante que você faça isso. Estou para entrar em uma audiência que não deve demorar. Assim que terminar por aqui, vou ao seu encontro. Até lá.

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